1 de março de 2011

Repassando:

Olá a todos.

Gostaria muito que mais e mais gente soubessem o que realmente ocorreu na fatídica sexta feira passada quando um louco, se é que se pode usar esta palavra, atropelou mais de 20 pessoas que estavam em uma manifestação de bicicleta na cidade baixa em Porto Alegre - RS. O texto reproduzido abaixo, foi escrito pela Aline Rodrigues, Vocalista da No Rest, ativista e uma das fomentadoras do Massa crítica em Porto Alegre, para sua familia que está fora da cidade, o texto pode ser um pouco longo mas vale muito para saber mais informalmente o que realmente aconteceu, acredito que também é importante o acompanhamento deste caso, a união e a solidariedade para com os que lutam por mais espaço nas ruas. A cultura tem um papel importante em tudo isto e pode ser uma voz muito ativa para que mais olhos se abram.
Abraço
Paulo Zé Barcellos

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Retirado do Blog Massa Crítica Porto Alegre - http://massacriticapoa.wordpress.com/ A solidariedade é importante nessas e em outras horas também por isso se quiser passe a informação para frente.

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Texto:

O relato seguinte foi escrito pra minha familia que não está morando em porto alegre. compartilho aqui porque penso que esta versão possa somar e ajudar a elucidar o que aconteceu ontem.

Ontem aconteceu como sempre acontece na ultima sexta-feira do mês a Massa Crítica, que é uma manifestação que acontece no mundo todo que consiste dxs ciclistas buscarem espaço no transito, fazerem entender que SÃO PARTE do transito. A bicicleta é uma alternativa auto sustentável, ecológica e barata de transporte, além de ser usada e mais comumente associada a passeio e lazer.

Mas o que aconteceu ontem foi fora de qualquer expectativa que pudéssemos ter. Um motorista/assassino atropelou o nosso grupo de ciclistas. Foi assustador o que aconteceu, e eu no momento não entendia o que se passava, pois se ouviam gritos e barulho de pessoas caindo no chão, barulho de corpos no capô, para brisa, no asfalto, em fim. Se via pernas no ar, capacetes, bicicletas, braços, tudo misturado juntamente com partes do carro (para choque talvez, espelhinhos…). Tudo voando e fazendo barulho. Um filme de terror.

Nós estamos bem. Mas estávamos lá, eu o Natã e o Igor. E gente, nunca vou conseguir descrever o que senti, o que vi. Eu fiquei num choque tão grande que ao mesmo tempo que eu queria ver o Natã e o Igor eu não queria ver se caso isso fosse implicar em vê-los estirados no chão…pra não dizer tudo o mais que me passou por um segundo na minha cabeça.

Queria só que vocês ficassem do nosso lado incondicionalmente se possível. Não por sermos família. Eu digo em relação a todo nosso grupo de ciclistas que é composto por pessoas de todas idades e há uma diversidade enorme no grupo. O grupo é aberto, cada sexta chegam novas pessoas. Não é um grupo de atletas e não é um grupo de jovens. Tem criança que participa pedalando e crianças naqueles banquinhos de bicicleta, crianças pequenas. Tem muitos adultos nos seus 30, 40, 50 anos e tem senhores e senhoras nos seus 70 anos. É muito diverso o grupo. Tem gente que usa a bicicleta como transporte, outros como passeio, mas todxs estão ali para celebrar o pedal, mostrar para a população uma alternativa de transporte/mobilidade não poluente, mais autônoma e barata.

Só que já pela Internet podemos perceber uma distorção dos acontecimentos e é isso que me preocupa. Por exemplo, uma das coisas que a policia e a EPTC começam a dizer é que tínhamos que ter avisado a EPTC do evento. E que a falta deste aviso torna a MC irregular. Primeiro não é um evento que tem que ser avisado. É justamente uma manifestação que tem como objetivo buscar a conscientização dxs motoristas sem que estxs precisem de aparato repressor para compreenderem que temos o direito de estarmos ali. Quando falo em aparato repressor, por favor não pensem que é radical. Mas se uma pessoa que dirige um carro não respeita uma ou mais pessoas que estão de bicicleta e precisa de policia ou fiscalização para respeitar, isso caracteriza que ela precisa ser supervisionada, repreendida para agir com educação e respeito. A nossa idéia é a de que motoristas e ciclistas compartilhem o transito. Existe escolta da EPTC para carros? Não. E para quando a gente está pedalando no nosso diário também não vamos pedir escolta, o que queremos é espaço e respeito a isso.

Este cara que nos atropelou passou do limite do que uma pessoa pode fazer numa situação de stress. Ele passou por cima. Ponto. E continuou acelerando mesmo ao ver pessoas no seu capô, e caídas no chão. Ele arrastou uma mulher pelo capô por vários metros e fugiu com a bicicleta dela (acredito eu) presa no carro dele!

Eu acho também, percebo, que essas declarações da EPTC de que não foram avisados, e caracterizando a MC como “irregular”são já imaginando uma possível ação movida contra a prefeitura. E que usam isso já como argumento de defesa. Só que isto ofusca a questão principal, a atitude do motorista, que não pode em hipótese alguma ser justificada.
Então peço a vocês muito cuidado ao lerem, e ao que refletirem. Porque somos constantemente influenciadxs pelos meios de informação que distorcem os fatos pelo interesse de algunxs. Seja da industria do carro, ou da prefeitura e do estado.
É muito grave o que aconteceu.

Queria só também informar que bloqueamos sim a via. Porque éramos muitxs. Mas isso sempre acontece e não dura muito mais que 2 minutos de espera para um carro que aguarda, que na próxima quadra vai se ver livre de nós, pois estamos também em movimento, pedalando. X motorista só precisa ter um pouco de tolerância e esperar que o fluxo logo continuará. Acreditar que estamos atrapalhando o trânsito é um erro. Tudo atrapalha o transito. Um ônibus que pifou, um cachorro que atravessou, uma chuva que alaga a rua um carro estragado no meio da avenida. A própria quantidade de carros! E o que alguém quando dirige faz? Desvia, espera, pode até dizer “que saco!” Mas a gente não passa por cima de pessoas. E isso é muito importante também de ser aprofundado. Se fosse um ônibus parado na frente deste carro, deste motorista, ele teria se jogado contra este ônibus?

Então a gente vê que ele calculou que não teria dano nenhum a ele, e que os danos ficariam “apenas” naquelas pessoas TODAS que estavam ali. Com nossos corpos como para choques e nossas mentes e espíritos totalmente agora traumatizados. Para sempre.
E mais uma coisa. Eu vi que eu não estava preparada pra aquilo. Eu entrei em choque. Eu não sei o que aconteceu por alguns minutos, eu não me lembro. A minha bicicleta não estava mais comigo num segundo momento. Eu não sei se eu joguei a bicicleta ou se eu pulei dela. Eu sei que tinham umas pessoas em volta de mim, que alguém me trouxe uma água e que me diziam para eu me acalmar. Eu vi que eu estava então sentada na frente da farmácia que fica na calçada do local do atropelamento. Eu olhei de novo para cena e não consegui continuar olhando…eu baixei a cabeça com medo, com pavor do que eu ainda mais podia ver e saber. Eu lembro que uma amiga veio e tentava me acalmar e eu apertei ela tanto, mais tanto, que minhas mãos doeram e imagino que a machuquei. Mas eu a apertei porque “aquilo” era o que eu podia tocar e ver que era real, não sei como explicar, uma busca momentânea por alguma coisa sã em meio aquele caos. E então uma mulher desconhecida chegou bem perto do meu rosto e disse assim: “Se acalma, tem gente que precisa de ti”. E foi só aí que eu percebi que essa era a verdade. E eu admiro muito quem conseguiu agir naquele momento, quem conseguiu ajudar xs que tinham sido abatidxs. E vi meu total despreparo para o que aconteceu que eu comparo como se tivesse caído uma bomba sobre nós, como se estivéssemos numa guerra. Atingidxs pelo inimigo. E como isso é simbólico. Vivemos no transito uma verdadeira guerra.
A minha angustia crescia e meu medo era latente. Então meu filho apareceu, acho que reconheci primeiro uma voz! “Natã!” pensei, ele está bem, ele está vivo! E então as coisas foram tomando forma para mim…

E como que daquele escombro de medo, pavor e angústia eu comecei junto a outrxs a dialogar com a polícia, xs fiscais do trânsito, xs transeuntes, numa busca por justiça, por informar da melhor maneira possível o que eu havia testemunhado. A polícia apareceu com armas e foi assustador. Fui dialogar com elxs, me disseram que era para nos proteger! Então eu disse “mas as armas estão viradas para nós!!!”. E pedi com urgência que elxs desviassem as armas pois já tinhamos sofrido o bastante. Que nós éramos as vítimas.

Eu vi muitos rostos conhecidos, amigxs caídos, sangrando, sendo levadxs pela ambulância…ouvi relatos, pessoas chorando, uma de nós dizia que sua mãe estava ali pela primeira vez e que foi uma das atropeladas…que estava no hospital. Muito triste.

E por fim, li nos jornais uma especulação de que nós, xs ciclistas tínhamos ido pra cima do carro e causado o acidente. Isso é a mais absurda mentira. E a mais absurda incoerência física. Não foi um acidente. Foi uma tentativa de homicídio. Como um franco atirador que usa sua arma, Ricardo José Neif utilizou o seu carro como uma arma atirando-o contra as pessoas. E por isso a pessoa que está dirigindo um carro tem que ter consciência do potencial da máquina. O potencial de Ricardo José de ferir as pessoas se ele tivesse a pé, ou com seu corpo seria totalmente outro.